domingo, 5 de outubro de 2008

Crise financeira oferece um momento de aprendizado

Por Samuel G. Freedman

Há algumas semanas, antes que a terra se partisse sob Wall Street, o imã Khalid Latif conversou com um de seus fiéis regulares no centro muçulmano da Universidade de Nova York. O jovem, estudante de administração, tinha uma queixa teológica a fazer. Por que o Islã faz tanto alarde em relação ao princípio de benefício mútuo? Qual era o problema de cuidar apenas de si mesmo?Cerca de dez dias depois, com a paisagem marcada pela falência, vendas emergenciais e bancarrota federal de algumas das companhias financeiras mais veneráveis do país, o mesmo estudante voltou, um tanto envergonhado. "Agora eu sei por que não posso basear minha segurança no número de zeros no meu holerite", disse o jovem, lembra-se Latif, clérigo muçulmano da NYU [sigla da universidade].Ao se deparar com o equivalente espiritual do que alguns educadores chamam de "momento de aprendizado", Latif falou ao estudante sobre humildade, perseverança e principalmente sobre o conceito islâmico de "sabr", que significa "paciência". Ele respondeu com um hadith [ensinamento] da tradição muçulmana: "A paciência surge ao primeiro sinal de calamidade".Variações da conversa do imã aconteceram em praticamente todas as crenças durante as últimas semanas, especialmente para clérigos cujos seguidores são investidores, executivos e funcionários da abalada indústria financeira. Eles estão praticando o ministério para a crise."Não existe nenhum ateu dentro de uma trincheira", diz o clichê de guerra. Como para comprovar a veracidade do truísmo, os problemas financeiros recentes coincidiram com dois períodos religiosos devotados à busca da alma - o mês sagrado muçulmano do Ramadã e os "dias de reverência" do judaísmo que culminam com o Rosh Hashanah e o Yom Kippur."Os Dias Sagrados são uma época em que as pessoas reavaliam suas vidas", diz o rabino Joshua Metzger, do centro Chabad Lubavitch, em Midtown Manhattan. "E a confluência da crise financeira com esse período de penitência está certamente em sincronia com a mensagem de auto-avaliação, arrependimento, reavaliação e a necessidade de tomar boas decisões".Enquanto os Estados Unidos cambaleiam de um período de abuso do crédito para um futuro de dificuldades financeiras, os feriados religiosos demandam sua própria forma de auto-negação. Os judeus jejuam no Yom Kippur e também no Jejum de Gedalia, para os mais observadores da tradição, que acontece um dia depois do Rosh Hashanah.Os devotos muçulmanos não comem nem bebem durante o dia por todo o mês do Ramadã, que terminou esta semana."O propósito do jejum está além do físico", diz Latif. "Ele coloca muita coisa sob perspectiva. Quando você bebe um gole d'água ao pôr do sol, quando come uma tâmara para quebrar o jejum, você tem uma apreciação mais profunda sobre aquilo que tem".O reverendo George W. Rutler, pastor da Igreja Católica Romana do Nosso Salvador em Midtown Manhattan, tem transmitido uma mensagem semelhante e lembrou-se da Grande Depressão, dos homens e mulheres que não conheceram nada exceto dias exuberantes para os bancos de investimentos, fundos hedge e mercados de ação."Eles estão simplesmente estupefatos; eles não têm referência histórica", diz Rutler, ex-clérigo nacional do Legatus, um grupo de executivos católicos proeminentes. "Eu disse a eles: 'Vocês são parte da história agora. E no futuro, irão aprender a serem mais práticos em relação ao valor das coisas'. Essa era uma purificação necessária, porém dolorosa sob vários aspectos."A missa do dia 24 de setembro, que caiu num dia de semana, forneceu a Rutler os textos para apoiar suas lições de prudência e frugalidade.Uma das leituras, Provérbios 30, incluía o conselho de "não me dês a pobreza nem a riqueza; dá-me só o pão que me é necessário". Na leitura do Evangelho, Lucas 9, Jesus havia enviado seus discípulos para viajar entre as pessoas para curar os doentes e domar os demônios. "Não levem nada para o caminho", ele os instrui, "nem cajado, nem saco, nem comida, nem dinheiro."A reverenda Suzan Johnson Cook volta-se com mais freqüência para as passagens bíblicas de conforto. Ela se especializou em pregar para os negros e latinos de classe média e classe média alta, tanto como pastora na Associação Cristã do Bronx quanto como líder de um serviço pastoral todas as quartas-feiras à noite na Igreja Metodista Unida de John Street, entre os cânions de Lower Manhattan. Para o seu rebanho, relativamente recém-chegados aos empregos lucrativos nas finanças, os tremores econômicos ameaçaram desfazer gerações de suado progresso."O nível de estresse é muito alto", disse Cook. "Há um sentimento de não saber qual será seu último dia. Essas pessoas têm família para sustentar, com crianças nas escolas. Eles se sentem como: "Levou tanto tempo para chegar aqui. Jogamos de acordo com as regras. E agora veja o que aconteceu. Como vamos sobreviver a isso?'"Num nível pragmático, Cook indicou seus fiéis para conselheiros de carreira, principalmente aqueles cujos salários estão caindo muito.Tanto nos sermões quanto nas sessões pastorais, ela vota-se para os Salmos 26 e 61, versos que pedem misericórdia e compaixão de um Deus que "foi um abrigo para mim e uma torre forte contra o inimigo".Na Chabad em Midtown, o rabino Metzger também enfatiza a necessidade de confiança no Todo-Poderoso.Ele freqüentemente cita um discurso que o finado rabino de Lubavitcher, Menachem Mendel Scheneerson, deu logo depois da quebra da bolsa em outubro de 1987. O rabino deu uma bênção que dizia "será revelado que a queda existe apenas para o propósito da ascensão."E apenas para o caso de o ouvinte interpretar mal, Metzer acrescenta:"Essa não é uma questão de conselho financeiro. Isso não é Jim Cramer... [apresentador de TV e autor de best-sellers que ensinam a enriquecer].

Tradução: Eloise De Vylder
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