segunda-feira, 23 de março de 2009

COLUNA DO DELFIM NETO.

Vamos jogar a toalha?

20/03/2009 15:33:31

Delfim Netto

Apenas duas vezes, desde 1985, a economia brasileira cresceu a uma taxa maior do que a média mundial por um período consecutivo de três anos: no governo Sarney (1985-1987) e na gestão Itamar Franco (1993-1995). No governo Lula, depois de quatro anos com crescimento menor do que o mundo, o Brasil recobrou um crescimento vigoroso de 5% ao ano, que tinha condições objetivas de prosseguir. A tabela mostra a taxa de crescimento anual do PIB entre trimestres homólogos de anos consecutivos (um trimestre de 2007, por exemplo, ante o mesmo trimestre de 2006), com o que se evita a influência das variações estacionais. A partir do terceiro trimestre de 2006, o crescimento começou a acelerar e superou o do mundo. Os números mostram um avanço em 2008 que provavelmente seria insustentável, do ponto de vista do balanço em conta corrente nas condições vigentes. Houve o acúmulo de déficits desde janeiro, em razão da supervalorização cambial produzida pela política monetária autista. Havia uma pressão inflacionária com um componente duvidoso de excesso de demanda global, com salários reais crescendo abaixo da produtividade e um seguro componente externo que se manifestou quando o aumento dos preços das commodities não pôde mais ser compensado pela supervalorização cambial. Para combater os efeitos secundários da elevação dos preços, o Banco Central iniciou, em abril de 2008, uma nova escalada do juro real. A taxa de inflação média do IPCA em 2004-2006 foi de 5,5%. No último trimestre de 2007, andou às voltas de 4,2% e, no terceiro trimestre de 2008, em torno de 6,3%. De forma que, em condições normais, talvez a ação do BC tivesse alguma razão de ser. Mas a situação não era normal. Havia um grave problema. A crise financeira iniciada com as hipotecas subprime já tinha se manifestado e praticamente todos os países haviam iniciado um movimento de baixa das taxas de juro. Em julho, a supervalorização do real atingiu o ápice, dando a doce ilusão de que se controlava a taxa de inflação cortando a demanda global. Na verdade, o BC ignorou e subestimou a crise financeira porque não tinha a menor ideia do que ocorria. Trata-se apenas de um pecado venial, porque o Federal Reserve também não sabia. Basicamente, isso explica o mergulho do crescimento no quarto trimestre de 2008. A crise precipitada pela barbeiragem do Tesouro americano, secundado pelo Fed, quando se meteu na arriscadíssima operação do Lehman Brothers, caiu como um raio sobre o sistema bancário brasileiro. Em 16 de setembro, desapareceu instantaneamente todo o crédito interbancário (até hoje inexistente) e instalou-se uma espécie de pânico que interrompeu o circuito econômico. Um sistema bancário hígido, em um país relativamente fechado e ligado ao sistema financeiro internacional apenas por algum capital subordinado, por algum funding e pelo financiamento de parte do comércio, paralisou preventivamente as concessões de crédito pelas incertezas que envolviam a renovação de suas operações externas. A verdade é que a própria política econômica consagrada depois do bem-sucedido Plano Real e a expansão da economia mundial a partir de 2002, haviam dado suficiente musculatura ao nosso BC para enfrentar agressivamente o problema e dar conforto imediato ao assustado sistema bancário e, assim, reduzir os efeitos da crise. Ele dispunha: 1. Da certeza de que a taxa de inflação iria cair, em razão da redução do duvidoso excesso da demanda global. 2. De uma taxa de juro real teratológica que poderia ser manobrada. 3. De uma relação Dívida/PIB em declínio. 4. De um extravagante nível de depósito compulsório. 5. De um nível de reservas da ordem de 200 bilhões de dólares, reforçado pelo swap do Fed de mais 30 bilhões de dólares. 6. Do compromisso do governo, que faria a política fiscal necessária para ajudar a política monetária. A tragédia é que os movimentos do BC sempre foram na direção correta, mas, invariavelmente, atrasados e homeopáticos. O mal está feito. Começamos 2009 em uma situação muito delicada, mas o jogo não está totalmente perdido. Restam nove meses para trabalhar duro. Com alguma inteligência e ousadia poderemos ter um crescimento maior do que o do mundo, o que não será pouco.
Delfim Netto

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