domingo, 16 de agosto de 2009

ONIOMANIA : COMPRAR ACIMA DO PEMITIDO.


Transtornos da modernidade

Por Emanuelle Bezerra

A segunda metade do século XX foi marcada por muitas transformações na sociedade. Junto com todas as novidades tecnológicas, desenvolvimento econômico de muitos países e, por consequência disso, melhoria na qualidade de vida, surgiram novos problemas também. Alguns transtornos mentais anteriormente nunca documentados começaram a surgir em meio à criação de meios de comunicação que difundiram conceitos que muitas vezes não podem ser adotados por todos.

O incentivo ao consumo é um bom exemplo disso. A vontade de comprar desordenada tornou-se uma doença que já atinge 2% da população mundial. A oniomania – como é chamado este transtorno – pode demorar a ser diagnosticada, já que a prática do consumo é bem vista pela maioria da sociedade e pelo fato de muitos desejarem o status do poder de compra.

A oniomania é caracterizada pela deliberação que o desejo por determinado produto provoca no paciente. Não é apenas o consumo, o objeto, mas a satisfação ao concretizar a vontade crescente de compra que gera ansiedade e planejamento, tomando grande parte do tempo da pessoa. O Dr. Antônio Luciano, que trabalha em um programa da Associação Brasileira de Psiquiatria de desmistificação de transtornos e é coordenador científico da Interconsulta Psiquiatra Hospitalar, diz que existem pessoas com uma predisposição para a oniomania, mas que o problema é acentuado com a exposição à publicidade e à propaganda.

Segundo o especialista, apesar de muitos psiquiatras acreditarem que a oniomania seja um fenômeno da pós-modernidade, não há como se ter certeza, pois não existem artigos científicos que comprovem essa tese. O fato é que este e outros transtornos — como a síndrome do pânico, transtornos alimentares e compulsivos — começaram a ser identificados após os anos de 1950.

O tratamento

Nos Estados Unidos, o primeiro grupo de apoio para os dependentes de compras surgiu já na década seguinte ao início da identificação da doença, em 1968. Os Devedores Anônimos só chegaram ao Brasil em 1997, com reuniões em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Paraná. Os encontros semanais fazem parte do tratamento, que inclui ainda medicamentos e psicoterapia.

Além disto, é necessário dar fim a todas as formas de crédito do paciente, como cheques e cartões de crédito. Uma outra pessoa precisa assumir o controle financeiro da vida do paciente e ajudá-lo a se reorganizar. O Dr. Leandro diz que, apesar de a doença não ter cura, existem pessoas que conseguem recuperar o controle e deixar de tomar os medicamentos. Outras precisam do acompanhamento de remédios para sempre. “A pessoa cria estratégias internas que a ajudam a sofrer menos desta dependência”. Ele lembra também que esta compulsão é comum em pessoas portadoras de outros transtornos mentais, como o bipolar.

H. Vidal sofre de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e apresentou a oniomania durante o tratamento. “Foi um efeito colateral do antidepressivo. Eu tive uma virada maníaca e gastei R$ 40 mil em livros e DVDs em dois meses”. O que diferencia o paciente que sofre de outra doença e apresenta a compulsão do portador de oniomania é justamente o imediatismo da compra. O Dr. Luciano explica que a pessoa compulsiva por compras delibera um tempo muito grande pensando na compra. “O processo da compra é o que caracteriza a oniomania. A pessoa passa horas ansiosa por satisfazer o desejo de ter algo e assim que o satisfaz já coloca outro no lugar. Ela não se importa com as dívidas, ou com o comprometimento de seus bens e renda. É de fato um vício. Diferente dos outros transtornos em que a pessoa olha, gosta e compra sem pensar como irá pagar”.

O psiquiatra também lembra que a oniomania, assim como os transtornos alimentares, atinge muito mais a população feminina. A média é de um homem para cada quatro mulheres afetadas pela doença. “No homem isto é menos característico ou menos divulgado por eles. Pode ser por uma questão cultural, o homem pode sentir vergonha desta exposição, ou mesmo pelos hábitos de compras serem diferentes entre os gêneros”. R. Soares, por exemplo, gastou toda a sua herança em carros. “Sempre que ficava para baixo comprava um carro ou uma caminhonete nova para as duas fazendas que meu pai deixou. Enchi os mais de 21 mil hectares de veículos e fiquei sem chão, sem ter onde morar”.

Assim como todo dependente, os consumidores compulsivos demoram a admitir seu vício. R. Soares diz que só admitiu quando viu sua mulher e filhos irem para a casa da sogra. “Minha mulher tentou me alertar, mas como dinheiro não era o problema eu dizia que ela não queria que eu gastasse muito em um carro para ela poder gastar tudo com blusinhas”. O Dr. Leandro alerta também para a questão financeira. Muitas pessoas com o poder de compra menor têm um menor grau de dependência e ao adquirir posições maiores a compulsão também cresce. O início da doença coincide com o fim da adolescência, mas o comportamento só se torna problemático cerca de dez anos mais tarde.

Nas mulheres, o transtorno se apresenta na quantidade de coisas adquiridas. T. Moura frequenta o D.A. há um ano e meio diz que conseguiu encontrar o equilíbrio,apesar de ainda sentir muita vontade de “torrar todo o pagamento de uma vez”. Ela precisou ser afastada do trabalho pela falta de produtividade, pois passava muitas horas planejando uma compra. “No inverno de 2007, quando o quadriculado voltou à moda, eu quis tanto uma calça nesse estilo que comprei umas cinco, mas apesar de gostar de todas, eu não encontrava a perfeita. Fiquei tão apreensiva de nunca encontrar que simplesmente só pensava nisso. Em que loja eu poderia procurar, que formatos de bolso, enfim, foi loucura, já se passaram dois anos e elas ainda estão com a etiqueta”.

Moura também contraiu uma dívida mensal quatro vezes maior do que sua renda. Ela explica que, como sempre comprou muito, em alguns lugares ficou conhecida e com crédito. Porém, na ocasião de seu afastamento, o volume de compras aumentou e ela paga por estas dívidas até hoje. “O segredo é não fazer o primeiro débito”, conclui.


PUBLICADO EM OPINIÃO E NOTÍCIA.

http://opiniaoenoticia.com.br/vida/comportamento/oniomania-compras-acima-do-permitido/?optin

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