quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O mundo depende de países como o Brasil

COM CERTEZA E CADA VEZ MAIS .... A DEPENDÊNCIA FIC MAIS EVIDENTE !!!

Em entrevista a AMANHÃ, o diretor do Banco Mundial no Brasil, John Briscoe, fala do status que o país e outros emergentes adquiriram e diz por que o Rio Grande do Sul ganhou atenção especial

Por: Eugênio Esber

Voz influente nas políticas do Banco Mundial, a ponto de merecer um capítulo à parte no livro de Sebastian Mallaby sobre James Wolfensohn, John Briscoe está fazendo as malas para deixar o Brasil. O sul-africano que passou parte de sua juventude em aldeias de Bangladesh, em um auto-exílio de repúdio ao regime do apartheid, prepara-se para lecionar em Harvard depois de três anos como "country director" do Banco Mundial no Brasil. Briscoe leva na bagagem o ineditismo de uma operação que culminou com o empréstimo de US$ 1,1 bilhão para o Estado do Rio Grande do Sul - maior empréstimo já realizado pelo banco no Brasil. Nesta entrevista a AMANHÃ, Briscoe relata como a sua equipe conseguiu viabilizar a operação, sob o olhar cético do board, e explica se é possível atender a outros estados que tenham o mesmo interesse, como Alagoas. Aos 60 anos, um Briscoe que Sebastian Mallaby descreveu como "um jovem idealista" está satisfeito com a crescente influência dos países emergentes nas decisões do Banco Mundial, embora considere necessário transformar este peso político em poder de voto nas decisões do board. "O mundo olha para a Índia, para a China, para o Brasil, como os países que podem dar uma certa estabilidade à economia global, diante das dificuldades globais", afirma Briscoe, na entrevista reproduzida a seguir.
O que há de ineditismo no contrato que o Banco Mundial assinou com o governo do Rio Grande do Sul?
Em primeiro lugar, o tamanho da operação. É o maior empréstimo que já fizemos na América Latina. Em segundo lugar, se trata da primeira operação de financiamento de dívida que fizemos. E a operação é inédita também por envolver um Estado que não atendia às exigências da Lei de Responsabilidade fiscal, o Rio Grande do Sul. Além disso, outro aspecto que há para salientar é a cooperação - fora do normal, eu diria - que se estabeleceu entre o governo do Estado, o BANCO MUNDIAL e o governo federal, por intermédio do Ministério da Fazenda.
Foi difícil, para a equipe brasileira, convencer os quadros de Banco a realizar uma operação deste gênero com uma entidade subnacional que naquele momento não estava cumprindo as exigências da lei de responsabilidade fiscal?
Como você sabe, o Rio Grande do Sul estava numa situação precária. Nessas condições, qualquer operação tratando de Rio Grande do Sul que a gente levava para o board do Banco Mundial era vista com muita cautela. Porque antes já havíamos tido operações que despertaram a esperança de que o Estado revertesse o seu caminho, e isso não havia acontecido. Então havia ficado esta, digamos, bandeira negativa do Rio Grande do Sul. Era a primeira dificuldade a superar.
Não era a única...
Havia uma segunda dificuldade. A lei de responsabilidade fiscal é vista por todos nós, do banco, e também pelo governo federal, como um instrumento exitoso, essencial, para a administração pública. E fomos questionados pelo board: cabia fazer uma operação com um Estado que não estava em dia com a lei de responsabilidade fiscal? Tivemos de fazer todo um trabalho de esclarecimento para mostrar que o Estado estava implementando um programa de ajuste fiscal muito forte e que todas as forças políticas do Estado estavam comprometidas com este esforço de reestruturação da dívida e das contas do Estado. Essa união de deputados, senadores, ficou clara no dia da assinatura do contrato com o BANCO MUNDIAL. Ficou claro, para nossos gerentes, que aquilo não era uma operação com uma governadora que tem mais dois anos de mandato, e sim um compromisso firmado com todas as forças políticas do Estado. E um compromisso que envolve um programa forte de gerenciamento do setor público e, inclusive, de ajuste do sistema previdenciário...
É possível que outros Estados brasileiros que não estejam em dia com a Lei de Responsabilidade Fiscal recebam atenção semelhante do Banco Mundial?
Nesse ponto cabe deixar claro que operações como essa que fizemos com o Rio Grande do Sul têm três agentes: o governo federal, o governo do Estado e em terceiro lugar o Banco Mundial. A primeira exigência que fazemos ao Estado é apresentar um plano para chegar a uma situação sustentável, que lhe permita retomar investimentos e promover o crescimento econômico regional. É o elemento absolutamente essencial, e neste aspecto o governo do Rio Grande do Sul mostrou muita garra e persistência. O segundo passo, para o governador, é convencer o governo federal de que o programa de ajuste é para valer - especialmente se o Estado estiver fora da lei de responsabilidade fiscal. E, de volta ao caso do Rio Grande do Sul, se o governo federal não tivesse mostrado interesse e envolvimento, a conversa com o Banco Mundial acabaria ali...
Há algum outro Estado negociando com o BANCO MUNDIAL?
Há apenas mais um Estado fora do limite de lei de responsabilidade fiscal. É Alagoas. O governo alagoano já manifestou interesse de obter um financiamento do BANCO MUNDIAL. Nós temos mantido várias conversações com Alagoas, quase sempre junto com o governo federal. E agora está nas mãos do governo alagoano definir um programa de ajuste fiscal. Até agora ainda não está muito claramente definida qual é a proposta do Estado. Cada caso é um caso. Ouvimos o governador de Alagoas dizer: "Eu quero fazer o que o Rio Grande do Sul fez." Mas não é a mesma coisa. O caso do Rio Grande do Sul tem especificadades. Assim como o município de São Paulo, que possui uma dívida muito maior que a de Alagoas, também tem peculiaridades.
Ao exigir dos Estados um plano de ajuste fiscal antes de qualquer negociação, o Banco Mundial lembra os protocolos de intenções que o FMI impunha ao Brasil e a outros países que faziam romaria em busca de recursos para fechar as contas externas?
É uma pergunta relevante. Mas são situações diferentes. O que o FMI fazia, dez anos atrás, era dizer aos países "Façam isso ou vocês não têm o dinheiro." Muitas vezes os presidentes até queriam fazer reformas mas preferiam que o papel de bad guy fosse exercido pelo FMI. Não trabalhamos com este tipo de imposição. Mas é verdade que se um governo estadual viesse dizer ao banco "não queremos fazer reforma, não queremos fazer nada para termos uma situação fiscal estável, mas queremo um bilhão de dólares de vocês", de jeito nenhum a gente aprovaria isso. A governadora ou governador tem que ter um programa que, em primeiro lugar, convença o ministério da Fazenda. Porque se não for um programa sério, o ministério não dará apoio. Hoje, a postura do governo brasileiro é de encarar a responsabilidade fiscal como um dever, como algo absolutamente essencial. Quando cheguei aqui, há três anos, tive um encontro com o ministro Palocci e ele foi muito enfático em afirmar isso. E o comportamento do governo brasileiro e dos governos estaduais confirma esta preocupação.
Olhando para os melhores modelos mundiais de gestão pública que o senhor conhece, como avalia a situação brasileira?
Eu ouvi certa vez do Murilo Portugal, que era o vice-ministro de Finanças (Fazenda), uma frase com a qual eu acho que todos concordam: que no Brasil se paga por serviço de cinco estrelas mas não se recebe um serviço à altura. Eu costumo dizer que se paga por 5 estrelas mas se recebe um serviço de três estrelas. Pela carga de impostos que cobra dos cidadãos, o Brasil devia estar entre os países com a melhor gestão pública do mundo. Mas não é assim, e por isso se criou a expressão "Custo Brasil" para mostrar a distância entre o Brasil e seus competidores no mundo. Por isso, ficamos felizes quando vemos programas de ajuste em estados como Minas e Rio Grande do Sul. É preciso melhorar a qualidade do gasto público.
O Banco Mundial e FMI, surgiram da conferência das nações em Bretton Woods. A crise global revela que o mundo carece de novas instituições capazes de coordenar os esforços de diferentes países na direção de soluções consistentes?
Este é um assunto para instâncias mais altas. Mas, falando em termos pessoais, acho que é preciso repensar a arquitetura de operações entre as nações. Ela foi desenhada mais de meio século atrás, quando vivíamos em um outro mundo. E esta situação é diferenciada. Olhando as crises anteriores, você vê que elas começavam com um país emergente, como México, Brasil... E esta crise começa por uma nação como os Estados Unidos. Ainda não sabemos como esta crise vai evoluir. Mas o mundo olha para a Índia, para a China, para o Brasil, como os países que podem dar uma certa estabilidade à economia global, diante das dificuldades norte-americanas.
As economias emergentes têm poder de influência compatível com esta nova importância que começam a assumir?
A voz dos países emergentes nestas organizações de coordenação internacional não correspondem, de jeito nenhum, ao peso, à influencia e à importância que adquiriram. Isso é muito óbvio. O Brasil, por exemplo, tem cerca de 2% de participação no Banco Mundial e a China e a Índia não vão muito além disso. Por isso estes países não têm grande peso nas votações. E, por outro lado, na mesa de votação, você tem uma dúzia de países europeus menores do que vários estados e até municípios do Brasil. São pequenos países que eram muito importantes em 1948. Então, eu acho que, com esta crise, vai começar um processo profundo, essencial e saudável para se dizer algo como "Esse sistema, como está hoje em dia, já não basta".
O mundo está sofrendo as dores do parto desta nova arquitetura mundial?
Eu acho que sim. Será preciso muito empenho das nações. Hoje, diante do tamanho desta crise, nós estamos nos perguntando: quem estava olhando para o que acontecia? O FMI não estava olhando para isso, nem qualquer outra instituição. Mas alguém devia ter olhado. Depois da crise, sempre é fácil dizer, claro. Mas eu acho que não se trata de falta de mecanismos, e sim de um novo momento de poder, de distribuição da influência mundial. E nós vemos com muita excitação este novo momento.
O BANCO MUNDIAL vê como saudável esta afirmação dos emergentes?
Sim. Veja, na parte das ações formais do banco, quando ocorre uma votação, o peso do Brasil é de 2% e o peso dos Estados Unidos é de 15%. Mas está ocorrendo um processo interessante, de alguns anos para cá. Dez anos atrás, as discussões eram completamente dominadas pelos países europeus e pelos norte- americanos. Os diretores dos países emergentes não tinham papel mais ativo na definição das políticas centrais do banco. Hoje em dia, não. Países como o Brasil, Índia, China, Turquia, México têm uma voz muito mais articulada e consistente no BANCO MUNDIAL. O Board é formado por 24 diretores. Quando o diretor que representa o Brasil fala sobre uma política global do BANCO MUNDIAL ele é ouvido com muita atenção. O Zoellik (Robert Zoellik, presidente do Banco Mundial)veio ao Brasil falar com Lula e em nenhum momento se comportou como se estivesse diante de um país com peso de 2%. Ao contrário, ouviu e considerou atentamente tudo o que Lula e Dilma falaram. Então, informalmente, é quase como se já houvesse uma nova arquitetura. Mas formalmente, em termos de votação, o peso destas nações ainda é pequeno, desproporcional. É preciso trabalhar também esta parte formal.
Sua saída está prevista para o fim do ano. Como o senhor deixa o Brasil?
Eu deixo chorando, como todos deixam. Porque para quem trabalha no banco atuar no Brasil é uma honra muito grande. Aqui aprendemos muita coisa. Temos uma relação fantástica com o governo, com os nossos parceiros nos governos estaduais, nos municípios, no setor privado. E isso reflete muito o que é este país. Porque o Brasil é um país que recebe com braços abertos. Todos nós aqui do banco nos sentimos parte desta viagem brasileira.
O país mudou muito desde a primeira vez em que o senhor trabalhou aqui, há 20 anos?
Bom, O que não mudou é esta característica brasileira de ser um país muito cordial e amistoso. Mas quando eu olho para as relações do banco com o Brasil, há vinte anos, vejo grandes mudanças. Eram relações muito difíceis, a toda hora havia disputas entre o Ministério da Fazenda e o Banco. Hoje, é uma relação totalmente diferente. Já faz dez anos que nosso diretor para o Brasil trabalha baseado aqui mesmo e não em Washington. O nosso time que trabalha aqui conhece intimamente o Brasil. As circunstâncias também são outras. Quando trabalhei aqui, em 1986, era o auge da inflação. Todos os indicadores econômicos e sociais, como mortalidade infantil, eram incomparavelmente piores do que os de hoje. Trabalhar agora com o Brasil, fazer projetos inovadores como este que envolveu o Rio Grande do Sul ou o Bolsa-Família na Amazônia, foi uma honra para mim.
O que o senhor fará depois de deixar o Brasil?
Vou atuar num centro de estudos brasileiros de Harvard. E lecionar em uma disciplina ligada a desenvolvimento e uso de recursos naturais, com foco em água.
Qual é a situação do Brasil e do mundo sob este ponto de vista - água?
O problema é que não há mais água. México, China, Índia, todos têm problemas gigantescos de gerenciamento de recursos hídricos. Todos estão usando sua água de forma insustentável, o que coloca algumas grandes áreas de crescimento agrícola e industrial destes países em uma perspectiva extremamente difícil. O Brasil, claro, tem desafios nesta área - principalmente no Nordeste. Mas nada que não possa ser manejado, gerenciado. Se me perguntassem qual país estaria em melhor situação dentro de 20 anos, não teria dúvida em apontar o Brasil. Aqui, basta que o país tenha a capacidade de se organizar e gerenciar seus recursos hídricos. E então o Brasil estará muito bem e eu vou vir para cá, comprar meu lote...

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